Texto realizado por Aristides Oliveira sobre o curta "Dique"
Aristides Oliveira
Ciclista,
Articulador audiovisual, Pesquisador independente de cinema brasileiro e
Professor de história na Faculdade Maurício de Nassau.
.
Dique ou paisagens sonoras de imersão: uma leitura picotada.
Aristides Oliveira
Fazia certo tempo que não me impressionava com o cinema independente no
Brasil. Estava acompanhando muitos filmes que não me tocavam, mas, ao
articular a curadoria da Mostra “Panorama Pernambuco” (junto com os
cineastas Jucélio Matos e Márcio Farias) - exibida
em Teresina-PI/2012 - algo inusitado aconteceu, pois dentro do pacote
com belos filmes realizados naquelas terras, surge com surpresa: Dique
(um filme de Adalberto Oliveira).
Dique já participou de mais
de vinte Festivais pelo Brasil e pelo mundo (dez internacionais),
destacando o 1° Festival de Cine Latinoamericano Independiente de Bahía
Blanca, 34º Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano -
Sección Paralela VANGUARDIAS, 2ª Muestra Internacional de Cine
Independiente, em Osorno no Chile e o 18° Festvídeo - Festival de Vídeo
de Teresina, onde tive o prazer de participar da comissão julgadora, em
que foi possível tornar o vídeo (em votação unânime) vencedor do evento
na categoria Experimental, junto com outro trabalho de Adalberto (Case).
Ah, sem falar dos outros prêmios (mais de dez até o momento)
conquistados por aí.
Com direção, desenho sonoro e fotografia
de Adalberto Oliveira, captação com hidrofone de Thelmo Cristovam,
mixagem e finalização de Adelmo Tenório, produção de Márcio Farias e
assistência de produção de Nicolas Oliveira, Dique é vídeo que
problematiza o ato de ver e sentir. Tudo começa com a tela escura,
exalando um estranho ruído... o que nos possibilita articular audição e
pele, pois a narrativa abre espaço para explorar outros sentidos, além
dos olhos e ouvidos. O que antes é um breve estranhamento, torna-se (em
segundos), imersão completa.
Somos lançados numa paisagem dura,
contrastante, onde as pedras de Casa Caiada dominam a cena. Aqui posso
visualizar um exercício paciente na busca pelo suposto equilíbrio entre a
crueza das pedras que demarcam o litoral, com suas linhas tortuosas,
atravessadas pela dispersão e desencontro das formas, friccionando a
suavidade celeste de um céu que me remete às pinceladas impressionistas,
em trânsito com os prédios que rasgam o teto azul (ondas distantes
revelam a água como elemento purificador).
O som desdobra-se
nas imagens em sequência. Adalberto vira-se contra a paisagem anterior e
olha detidamente para as ondas - estas selvagens ao nosso olhar – que
acariciam as pedras, vistas como homens solitários.
Cortes
rápidos inserem novos elementos à paisagem sonora de Dique, agora com
nuvens pesadas ao fundo e aves tímidas, sustentados pela frieza dos
prédios de uma cidade que aparenta uma leve sonolência, com homens
escondidos no alto de seus andares, habitando no coração do
distanciamento, as sobras orgânicas que moram ali.
Estaria
Adalberto estabelecendo um canal de comunicação entre o orgânico e o
inorgânico? Estariam os caranguejos conspirando contra nós? Somos
Homens-caranguejos ou Caranguejos-homens? A beira de Casa Caiada fica
mais escura, o som abafa, pequenos crustáceos em mobilização micro.
Mais uma vez o elemento-água entra no filme: a chuva. Ela atua como
agente de limpeza e reordenamento da paisagem, que, ao cumprir seu
papel, alivia as tensões e suaviza os ouvidos, através dos choques entre
água-pedra. Preparação para outros exercícios.
Radicalmente, somos
surpreendidos com caranguejos gigantes, no alto de seu Império, tornando
os homens, coisas pequenas, sem foco, ignorantes de um mundo paralelo
que existe bem a sua frente, a um passo do balé sombrio, cortante,
assustador. A água invade a areia, todos desaparecem...
Prédios
enfileirados dominam a cena, abrindo espaço para o deslocamento do
olhar-Natureza para o olhar-Homem. Esta contradição é interminável,
cíclica, que faz do Homem um ser que nega àquela, mas ao mesmo tempo,
depende dos seus recursos para afirmar sua separação.
O olho do
cineasta contempla a cidade num exercício que remete aos capítulos não
lineares de “Canto de Aves Pampeanas 1”, do argentino Nicolás Testoni,
articulando uma vontade conjunta em expressar a paisagem –
não-imobilista – como estrutura que se move para frente, redefinindo o
mosaico de impressões que nossos olhos procuram detectar na confusa
mistura de elementos de uma cidade que brota, e nasce toda torta...
cambaleante, cheia de cores, tensionadas entre árvores sobreviventes do
imperialismo urbano.
Dique joga com contrastes, reinventa as
paisagens e reforça sua inquietação constante - dentro da minha leitura
picotada - Somos Homens-caranguejos ou Caranguejos-homens?
O
Sol vai caindo, junto com a soberania do Crustáceo-Rei. Derrotado pelo
tempo (aliado do silêncio) invasor de corpos e carcaças, ele abre
caminho para o lambe-lambe geral das moscas, dançando em cima das patas
que imploram pelo último movimento.
A noite domina. Lá longe,
as ondas estão indiferentes ao olho de Adalberto, pois já estão
acostumadas com a sua estranha presença, que antes era incômoda, mas
agora, - pensam as ondas - “não podemos fazer nada, pois não sabemos
até que ponto ele quer nos consumir”. E assim elas seguem sombrias,
rudes, selvagens, trabalhadoras do mar.
Dique finaliza sua
trajetória escondido nas pedras de Casa Caiada, observando explosões
aéreas artificiais, buscando entender as relações entre as duas
paisagens em diálogo constante: o Homem e a Natureza. Até que ponto
estamos hibridizados? Até que ponto existem fronteiras entre nossas
patas e suas mãos? Um estudo sobre as mudanças, o olhar que problematiza
os distanciamentos, um poema visual que desconstrói nossas zonas de
conforto.
Uma certeza: o filme mais importante que assisti em
toda caminhada realizada até o momento nas minhas leituras do
curta-metragem brasileiro. Lá em Pernambuco, o cinema independente está
fervilhando de Homens e Mulheres que fazem um serviço sério. Tomem nota!
Não adianta Adalberto, seu filme saiu de Olinda para conquistar os
olhos do mundo.
“Dique” é um curta metragem pernambucano dirigido e roteirizado por Adalberto Oliveira que tem como objetivo construir a paisagem sonora de um arrecife artificial, tendo como base pra essa composição as regras da música concreta. O trabalho foi realizado como projeto de conclusão do Curso de Comunicação Social – Habilitação em Cinema Digital.
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Sinopse
Sinopse: Onde antes era um cenário paradisíaco, surge uma nova paisagem sonora proporcionada pela urbanização desordenada e caótica de uma cidade dormitório.
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